História: A Escolha dos Irmãos
“Este é um relógio muito bonito”, disse o amigo de Lourenço, parando-o no corredor.
“Claro, você é um colecionador”, respondeu Lourenço. Ele entregou a bebida ao amigo.
“Onde você o conseguiu?”
“Era do meu pai. Ele também colecionava relógios. Comprava em leilões, mesmo quando eram velhos, quebrados e sujos. Depois, consertava e os deixava bonitos de novo. Este era o favorito dele.”
“Mas eu pensei que seu pai não tinha deixado nada para você no testamento.”
“Isso não é completamente verdade. Quando ele morreu, meus irmãos e eu nos encontramos com a advogada dele…”
Trinta anos antes, os três irmãos se sentaram no escritório da advogada.
“Só diga o que ele está nos deixando”, disse o irmão mais velho de Lourenço.
A advogada virou o papel e leu em voz alta: “Minha casa e todos os meus pertences devem ser leiloados. O dinheiro deve ser dado aos meus filhos…”
“Oba!” disse o irmão mais novo de Lourenço.
“…que devem decidir para qual instituição de caridade doar.”
“Instituição de caridade?!”
“Eu sugiro que a gente doe para a pesquisa médica”, disse Lourenço. “A doença do papai era —”
“Tanto faz”, disse o irmão mais velho. “Você decide.”
A advogada tossiu. “Há mais uma coisa”, disse ela. E continuou lendo: “Antes do leilão, cada filho pode escolher um item para guardar por motivos sentimentais.”
“Eu vou ficar com a TV”, disse o irmão mais novo imediatamente.
“Agora estou morto”, continuou a advogada, “mas tenho um último conselho para meus filhos. Não há —”
Os irmãos de Lourenço saíram correndo da sala. Segundos depois, ele ouviu os carros deles partindo.
“Não há nada mais valioso do que boas lembranças”, terminou a advogada, erguendo as sobrancelhas.
“O que seus irmãos escolheram?”, perguntou o amigo de Lourenço, trinta anos depois. “Seu irmão mais novo realmente escolheu a TV?”
“Era uma TV muito boa. Gigante, com alto-falantes de alta qualidade. Talvez fosse algo sentimental para ele. Papai adorava filmes de ficção científica. Embora… será que meu irmão chegou a assistir algum com ele? Agora já não me lembro.”
“E seu irmão mais velho?”
“O carro do papai. Ele o destruiu num acidente duas semanas depois.”
“E você escolheu este relógio?”
“Meu pai desmontava relógios, consertava cada peça e depois montava tudo de novo. Eu ajudava trazendo as ferramentas e ele me ensinava como tudo funcionava. Trabalhamos neste relógio por semanas, quando eu tinha uns quatorze anos. São boas lembranças.”
“Mas, Lourenço, você tem ideia de quão boa foi a sua escolha? Este é um relógio Ludovic Évrard Horstenbach! Deve ser o único no mundo em perfeito estado de funcionamento. Lourenço, você poderia vendê-lo por milhões!”
“Eu sei. Alguém também me disse isso… há uns vinte e seis anos.”